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domingo, 2 de setembro de 2012
Problemas da criação #21
Ficção VS Realidade
Por Rogério DeSouza
Tenho notado que muitos artistas tem se esforçado para criar histórias ficcionais mais calcadas com a realidade deixando-as do tipo “pé no chão” para ter certa familiaridade com o público. E por mais que tentem sempre haverá incoerência com a realidade que querem casar e as pessoas que vão jogar isso na sua cara, pois nada é mais real do que a própria realidade, você pode fazer um Super- homem realista uma Branca de Neve realista, mas tudo não passará de bobagens para pessoas que se preocupam com problemas do dia a dia, como política, sociedade, meio ambiente e ai vai.
Eu digo que nenhum filme, animação ou história em quadrinho pode ser tão real quanto à realidade a não ser na forma de documentário, daí chegaria próximo a um noticiário ou a um jornal que as pessoas compram todos os dias.
O que se pode usar da realidade é transmitir uma mensagem, um valor no meio de nuances para entreter como uma fictícia epidemia de cegueira, para mostrar de outra forma a sociedade como ela é ou poderia ser se aquilo realmente acontecesse.
O nosso mundo real serve como inspiração para o mundo ficcional assim pode acontecer o contrário dentro das limitações de nosso lado real, pois o mundo fictício não tem limitações a menos que o artista a imponha.
Por esse motivo me vejo contrário a essa exaltação do realismo exacerbado contra o mundo ficcional, acusando a falta de leis e modos que se aplicam na nossa realidade em coisas que em essência é fruto da fantasia e do esteticismo artístico. Pode sim usar o realismo como muleta ou uma metáfora para fazer uma análise dos acontecimentos que nos rodeiam servindo para nos ajudar e ensinar alguma coisa, mas isto não pode impedir do Flash correr à velocidade a luz e nem impedir que um homem possa ficar invisível e explicar esses dois fatores usando o nosso conhecimento científico não é o suficiente a ficção precisa de mais elementos e acontecimentos prováveis e improváveis para tornar isso possível, se é que precise ser explicado. É onde entra uma coisa chamada criatividade.
No filme “O Último Grande Herói” estrelado por Arnold Schwarzenegger que interpreta um herói de cinema de ação chamado Jack Slater, que graças a um jovem fã sai da tela de cinema para o mundo real atrás de um vilão, a certa altura da história o garoto se vê preocupado com o seu herói de mentira no mundo “real” e Jack o questiona o porquê deixou de confiar nele de repente, o jovem Danny Madigan responde seriamente para ele mais ou menos assim: “a realidade é uma droga”.
Nada contra a realidade, mas é isso mesmo. Não há herói, não há vilão, apenas problemas, conflitos, desentendimentos sem sombra de solução e momentos de felicidade, amor, esperança sem palavras de efeito grandes comemorações. Com ou sem recompensa ou castigo, totalmente imparcial. Tudo misturado numa mesma cadeia de acontecimentos sem concessão.
Não há explosões no espaço, nem viajantes do tempo, mas isso não deixa a realidade menos interessante; por isso nos baseamos nela para construir universos ficcionais e torná-los mais abrasivos ao espectador. Claro que existem mundos fictícios que também são uma “porcaria” como o universo de Mad Max ou a realidade de Taxi Driver, mas sempre há um heroi e um vilão a ser combatido.
É covarde da parte de alguns minimizarem histórias de ficção só pelo simples fato de ver um homem voar sem qualquer equipamento ou qualquer coisa que desafiem a física e a lógica de nosso mundo. Pois eles sabem que não haveria argumento para contradizer a realidade que nos cerca.
Sinto-me contrariado quando isto parte dos próprios artistas que se dizem realizar obras realistas, mas que fazem histórias ficcionais disfarçadas de realistas e por isso se acham superior a tudo no âmbito criativo.
Não é o caso de idolatria a ficção e sim constatar que é uma bobagem tentar confrontar a ficção com a realidade e usar a realidade para destruir a ficção para justificar seus gostos pessoais com certo gênero, eu posso até estar exagerando, mas é como um "mal ateu" criticar a fé de alguém só pelo simples fato daquilo segundo ele não existir de verdade e não ser comprovadamente palpável a nossa realidade assim causando desconforto a esta pessoa.
Quando criamos a ficção, relevamos elementos naturais e científicos para criarmos fenômenos, feitos e situações cotidianas diferentes do que acontece de verdade. Não se nega o que existe, só se usa termos para tornar a história com maior verossimilhança possível para os olhos do público em geral, quem não enxerga isso não sabe o que é o conceito da ficção.
Se num mundo existe um vigilante mascarado que enfrenta centenas de homens em combate, ele existe, foi treinado de uma forma diferente do que qualquer pessoa preparada no mundo real possa estar para aquele tipo de conflito, pois naquela situação ele pode fazê-lo. Se não levarmos isto em conta ele é apenas um louco fantasiado me levando a constatação que as pessoas não sabem realmente separar as coisas.
Não adianta colocar conceitos lógicos em idéias fantasiosas como a magia ou seres espaciais, se chamar um físico para comparar é óbvio que ele vai dizer que aquilo não existe segundo tudo o que ele aprendeu em seu ofício, pois as pessoas que criam esses conceitos nem sempre são estudiosos e quando são, podem subverter alguns princípios básicos do que sabem para caber na realidade que criaram.
Como disse antes, não sou contra realidade e sim contra usá-la para diminuir o gênero ficcional. Sim, podemos brincar sobre essas incoerências com nossa realidade e nos divertir muito com isso, mas como eu trabalho nesse seguimento me vi obrigado a defender essa manifestação criativa. Claro, isto não é desculpa para fazer histórias ruins.
Vejo que no final das contas as pessoas querem um mundo de ficção que não seja de ficção, um reallity show ao vivo onde pessoas fazem o que fazem normalmente e ganham dinheiro e fama na maioria das vezes sem terem talento algum. Daqui a pouco vão analisar as incoerências em desenhos do Pernalonga.
E toda vez que ver uma foto de criança passando fome no Facebook terei que queimar todas as minhas criações e quem sabe abrir uma lojinha que venda itens para truques de mágico numa estação de trem qualquer na vã esperança de acreditar que possa existir uma ínfima chance de alguém querer ver magia neste incomensurável e frio mundo real.
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