Por Rogério DeSouza
Quando você faz um trabalho que você gosta e se dedica mostra isso ao público, você esta exibindo idéias de sua cabeça para pessoas que nem ao menos você conhece, mas elas o conhecerão através disso. Se cair no gosto popular, esse trabalho que você gosta de fazer para si a princípio será reverenciado pelas pessoas criando uma legião de fãs. Você procura usar isso para se sustentar e assim fazer outros trabalhos, mas o engraçado é que depois de muito tempo você percebe que o seu trabalho, suas idéias que você colocou ali e trabalhou muito para realizá-lo não é mais seu.
O que quero colocar aqui é um impasse, sobre o artista e o público. Quando uma obra passa a ser de todos? O quanto o artista tem direito sobre ela depois disso? É engraçado até. Você pode ter direitos sobre a obra, mas as pessoas se apropriarão dela muitas vezes interpretando algo que pouco tem a ver do que você criou inicialmente e às vezes nem adianta argumentar sobre isso. A linha de pensamento de certos admiradores é tão imaculada, que nem o próprio criador pode intervir ou alterar algo que considere errado ou usar uma nova idéia em cima daquilo, você estaria traindo seus próprios princípios que às vezes você nem sabia que o tinha, numa coisa que faz para você por diversão.
Um caso que se encaixa como uma luva neste assunto é a do diretor e produtor George Lucas, criador da série de filmes Star Wars. Perdoem-me por bancar o advogado do diabo, mas em instancia os fãs de seus filmes antigos literalmente se apropriaram de sua obra tendo uma compreensão muito mais ampla que o próprio criador.
Em sua primeira intervenção ele usou efeitos digitais para incrementar e dar uma ampliação de seu universo e foi financeiramente bem sucedido, no entanto veio a polêmica em uma cena em que originalmente o mercenário Han Solo atira em um caçador de recompensa, George Lucas muda e faz com que o caçador atire primeiro fazendo com que Han atire em seguida dando uma motivação mais justa ao herói do que fazê-lo matar alguém friamente. Puxando pela lembrança achei a cena original muito corrida, creio que o diretor também achou isso e resolveu que devia alterar a cena sem ter idéia o quanto isso iria “estragar” o personagem. Depois dos protestos George Lucas tentou se justificar de todas as maneiras e só piorou depois dos lançamentos até aquele momento aguardados dos episódios 1, 2 e 3 onde o diretor queria colocar novos elementos como “Midi chlorians” e personagens como “Jar Jar Binks” que foram execrados pelos fãs. Fora sua imperícia na direção; transformaram essa nova trilogia numa mancha desagradável na franquia e George Lucas ficou como o cara que só pensa em lucrar com Star Wars.
Coisa semelhante aconteceu com Matrix (que por coincidência venceu de Star Wars episódio I o Oscar de efeitos visuais no ano 2000) que após o bem sucedido primeiro filme em 1999, seus criadores queriam ampliar suas idéias e acabaram complicando as coisas e até hoje seus fãs consideram Matrix um filme único e ignoram as continuações, com exceção da animação “Animatrix” que foi bem elogiada.
Num episódio do escatológico desenho animado South Park eles satirizam George Lucas e sua mania de alterar seus filmes clássicos, em um dos diálogos há a discussão com um dos personagens sobre a propriedade da obra, um dos personagens retruca respondendo:
- Não é seu. É de todos nós.
Realmente, uma vez que a idéia toma forma e sai da nossa mente, ela sai pelo mundo, se torna independente e não há muito a fazer a respeito disso você tem que responder as pessoas, pois elas que dão combustível a idéia.
No entanto, andei lendo no jornal sobre um cineasta que ganhou um prêmio em Veneza que disse não faz seus filmes para o público, ele faz o filme para si. Isto me intriga. Nós admiramos os artistas independentes por fazerem coisas para si e não questionamos isso, eles estão no conforto de não responder a ninguém por seus trabalhos. Eles podem mudar o estilo e a história à vontade e seu público responderá positivamente ou negativamente pouco importa.
Afinal, a obra é dele ou é de todos nós?
Não tenho uma resposta concreta a isso, apenas a minha opinião.
Para ser sincero, o artista tem todo direito de fazer o que quer com sua obra independente do que o público ache afinal a idéia é dele e as regras são dele e temos que aceitar senão abandonamos e procuramos outra coisa.
Porém, é o público que compra a idéia e a sustenta.
A qualidade do material tem que estar em sincronia com a exigência do público seja qual for o grau.
O que acho que falta é ambos os lados saberem disso.
Nós temos que ter certo tato com o público, não dar exatamente aquilo que ele quer e sim criar uma necessidade, um interesse e deixar claro o nosso jeito de trabalhar e conduzir uma história, mostrar a todos que você sabe o que esta fazendo.
Você pode vender essa idéia para outros executarem se eximindo de qualquer coisa que façam melhor ou pior que você ou ter certo controle de tudo que fazem, já disse isso em “Problemas da Criação 16 – Ação Executiva”.
Também já alterei coisas antigas que já fiz como nas histórias do fan fiction “Menores do Amanhã” e ainda bem que não tenho o nível de popularidade tamanha para causar estranhamento entre as pessoas que apreciam meu trabalho. Imagine só alguém ter o profundo conhecimento da psicologia de meus personagens e encontrar sentido para as coisas totalmente diferentes do que havia pensado.
Assim como o universo de Star Trek (Jornada nas Estrelas) onde os fãs sabem o idioma dos alienígenas da série e até ritos que duvido que o criador tenha planejado. O filme Galaxy Quest (Heróis fora de órbita) satiriza essa situação.
Acho que entendo o que um autor quer dizer quando fala que cria algo para si mesmo. No meu entender, significa que ele está fazendo algo que agrade a si prórpio, e não necessáriamente que a sua obra pertença apenas a ele.
ResponderExcluirÓtimo post como sempre. Parabéns.